Opas relata mais de 600 mil casos de covid-19 entre povos indígenas nas Américas

AFP

Foto: AFP – 22 de abril de 2021

Mais de 600 mil indígenas foram infectados e cerca de 15 mil morreram por covid-19 nas Américas desde o início da pandemia, disse nesta quarta-feira (4) a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que instou os países a priorizarem o atendimento a essas comunidades.

“A pandemia exacerbou as desigualdades em nossa região. E isso é especialmente verdadeiro para nossos povos indígenas”, disse a diretora da Opas, Carissa Etienne.

“Devemos garantir que nossas respostas e nossas campanhas de vacinação anticovid não ampliem as iniquidades”, acrescentou ela em entrevista coletiva.

Para os 62 milhões de indígenas que vivem nas Américas, o risco de contrair covid-19 e morrer por complicações derivadas da doença é alto, segundo a Opas, o escritório regional da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Entre janeiro de 2020 e julho de 2021, a Opas recebeu notificação de 617.326 infecções e 14.646 mortes por covid-19 em povos indígenas em 18 países americanos.

Os Estados Unidos, com 4.860 óbitos de indígenas entre 259.884 casos registrados, é a nação mais afetada pela pandemia.

Em número de casos, vêm em seguida Chile (65.884), Peru (64.923), Colômbia (63.250), Brasil (51.334), Canadá (32.597), México (21.046), Guatemala (18.924) e Bolívia (18.700) .

Depois dos Estados Unidos, com a maior quantidade de mortes de indígenas, estão o México (3.253), a Colômbia (1.813) e o Chile (1.170).

As sociedades comunais onde o distanciamento físico é difícil, a pobreza, as barreiras linguísticas e a falta de redes de apoio social e financeiro tornam as comunidades indígenas “mais vulneráveis” ao contágio e mais propensas a não ter acesso aos serviços de saúde, de acordo com a Opas.

“Provavelmente há muitos mais infectados, mas podemos não saber porque eles têm tido dificuldades para receber o cuidado contra a covid-19 que merecem”, disse Etienne.

Por isso, enfatizou, os países devem envolver as populações indígenas na resposta ao coronavírus, traçar políticas alinhadas aos seus costumes e garantir que trabalhadores dos serviços de saúde conheçam as línguas dos indígenas e respeitem a medicina ancestral que praticam.

Etienne aplaudiu o fato de 17 países nas Américas terem incluído os povos indígenas como um grupo prioritário para a imunização.

“Mais de 134 mil indígenas estão totalmente vacinados na Guatemala e mais de 312 mil completaram seus esquemas de vacinação no Brasil”, afirmou ela, urgindo os governos a produzir melhores estatísticas sobre a população indígena.

“Poucos países coletam dados sobre o impacto da pandemia em todos os grupos étnicos, o que deixa os ministérios da saúde cegos para tendências importantes e valiosas de como o vírus está afetando nossas comunidades indígenas”, explicou ela, que elogiou os “dados sólidos” do Brasil e da Colômbia.

Projeto cria programas de rádio em línguas indígenas na Amazônia

Norte Energia passa a transmitir informação em Tupi, Macro-Jê e Karib para 12 territórios indígenas do Médio Xingu

Por Bússola

Cerca de 4 mil pessoas que vivem em 12 territórios indígenas da área de influência da Usina Hidrelétrica Belo Monte, no Médio Xingu, passaram a receber informações diárias nas línguas Tupi, Macro-Jê e Karib, que são os três troncos falados pelas nove etnias da região.

A iniciativa é da Norte Energia, concessionária da usina, e tem o objetivo de ampliar o alcance dos comunicados emitidos pela empresa, sobretudo os relacionados à área da saúde. Anteriormente, estes eram transmitidos apenas em português, via rádio, e traduzidos pelas lideranças das aldeias. Agora, a comunicação atinge diretamente os indígenas em questões importantes, como recomendações de prevenção à covid-19.

Os comunicados integram o Programa de Comunicação Indígena, criado em 2011 pela Norte Energia, com 32 estações de rádio. Hoje, este é o maior sistema de radiofonia indígena da região amazônica, com 88 estações.

De acordo com a gestora da área responsável pelo programa, Fernanda Mayrink,  a utilização da língua nativa nesse relacionamento está em linha com o Inventário Nacional da Diversidade Linguística do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), voltado ao reconhecimento da diversidade linguística como patrimônio cultural.

A comunicação ocorre duas vezes por dia, pela manhã e à tarde, e é realizada pela Norte Energia, Funai, Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), e por outros entes responsáveis pela execução da política indigenista na região. Atualmente, 170 profissionais contratados pela empresa atuam no atendimento à saúde indígena, em articulação às políticas públicas voltadas aos povos indígenas da área de influência da UHE Belo Monte.

Desde 2011, a empresa construiu e repassou 31 Unidades Básicas de Saúde Indígena ao DSEI de Altamira/PA, além de disponibilizar equipamentos e veículos para os órgãos de saúde indígena da região. Durante a pandemia foram doadas 1.500 cestas básicas para famílias dos 12 territórios indígenas, com um total de 126 toneladas de alimentos.

Os compromissos do licenciamento ambiental de Belo Monte para atender os povos indígenas contemplaram ainda a construção de 20 escolas, 518 quilômetros de estradas e ramais de acesso às comunidades, 16 pistas de pouso e 31 sistemas de abastecimento de água, além de ações voltadas à assistência técnica, geração de renda e subsistência das famílias, fortalecimento institucional das associações indígenas, formação e capacitação de indígenas na área da saúde e educação escolar, e oficinas de gestão territorial, entre outras.

Elaboração de edital de seleção para apoio ao Projeto Manaós

Foto e texto: Grace Soares

A primeira atividade do “Projeto Manaós: Saúde da População Indígena no Contexto Urbano” é a realização do mapeamento socioeconômico e de saúde da população indígena que vive na Comunidade Parque das Tribos. Para operacionalizar esta ação, será necessário suporte direto dos moradores no processo de aplicação de questionários entre as famílias das comunidades.

Na semana passada, a coordenação do estudo esteve reunida com lideranças do Parque das Tribos, representadas pela cacica Lutana Kokama, para apresentação e discussão sobre o Edital de seleção de jovens mobilizadores indígenas que atuarão como apoio à pesquisa e à coleta de dados. A bolsa de apoio técnico é destinada a jovens indígenas com, pelo menos, o nível médio educacional.

“O projeto precisa ser feito junto com as pessoas da comunidade, senão não faz sentido essa parceria”, comentou Lutana, que revelou ter expectativas positivas em relação à melhoria da vida dos moradores do Parque das Tribos a partir dos resultados obtidos com a pesquisa.

Os indígenas e não indígenas residentes na área vivem em condição de vulnerabilidade total. A qualidade do serviço de saúde disponível é baixa e também não dialoga com suas culturas e tradições. Além disso, na contramão do quadro geral da pandemia no Brasil, é crescente o número de pessoas infectadas por COVID-19, indicando que medidas de prevenção e de controle do vírus podem não estar funcionando bem naquela região.

Em consenso, a versão final do documento foi aprovada. Em alguns dias, o Edital estará disponível no site para acesso e download e também deverá ser afixado em espaços de convivência da comunidade para amplo conhecimento e divulgação.

Justiça determina a inclusão de todos os indígenas na vacinação

Justiça determina a inclusão de todos os indígenas do AM na vacinação prioritária contra covid-19

Por Amazonas Notícias

MPF ajuizou ação para que todos, inclusive os indígenas em contexto urbano e os que vivem em áreas não demarcadas, tenham prioridade na vacinação; somente em Manaus, são mais de 20 mil

Após ação do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal determinou que a União inclua todos os indígenas do Amazonas na primeira fase de vacinação prioritária contra a covid-19. A decisão liminar prevê a inclusão, no grupo prioritário, de indígenas que vivem em contextos urbanos ou em locais não cadastrados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no prazo máximo de dez dias.

Ainda de acordo com a decisão, a União e o Estado do Amazonas devem assegurar a destinação de doses de vacina contra a covid-19 e promover articulação imediata com os municípios do Amazonas e a sociedade civil para efetivar a vacinação prioritária de todos os indígenas do estado.

A Justiça destacou, na decisão, que a população indígena está sujeita a uma maior vulnerabilidade socioepidemiológica, o que garante o direito à prioridade para a imunização. Segundo dados do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, que tem analisado dados das secretarias municipais e estaduais de Saúde, e do MPF, até 22 de junho deste ano, foram confirmados 55.769 casos de covid-19 em indígenas, 1.121 indígenas morreram em decorrência da doença e 163 povos indígenas foram afetados.

A decisão liminar menciona ainda que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, em processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), reconheceu que os índios, por razões históricas, culturais e sociais, são mais vulneráveis a doenças infectocontagiosas, apresentando taxa de mortalidade superior à média nacional, e esclareceu que indígenas em situação de isolamento ou contato recente estão mais expostos e devem ser protegidos, com confinamento das áreas.

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A ação segue tramitando na 1ª Vara Federal no Amazonas, sob o nº 1011770-73.2021.4.01.3200.

Recomendação – A inserção de todos os indígenas no grupo prioritário de vacinação contra a covid-19, incluindo os que vivem em contexto urbano ou em áreas não regularizadas, foi objeto de recomendação do MPF em fevereiro deste ano. A recomendação foi enviada ao Ministério da Saúde, à Secretaria de Vigilância em Saúde, ao Estado do Amazonas, à Fundação de Vigilância em Saúde e aos Municípios do Amazonas.

No documento, o MPF apontava que estimativas da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) apontam a existência de ao menos 20 mil indígenas vivendo na cidade de Manaus, grande parte deles nascidos em terras indígenas.

Manaus também concentra população de indígenas migrantes venezuelanos do povo Warao, em serviços de acolhimento do Município de Manaus, o que, somado ao alto grau de vulnerabilidade social e de deficiências nutricionais e de acesso a saúde, aumenta potencialmente as condições de transmissão e de agravos causados pela covid-19.

Foto: Acervo Pessoal do Amazonas Notícias

Mapeamento e intervenção

Estudo iniciará com mapeamento do perfil socioeconômico e de saúde da comunidade

Fotos e textos Grace Soares

Moradores da Comunidade Parque das Tribos, localizada na zona oeste de Manaus, participaram esta segunda-feira, 05/07, da 1ª reunião de trabalho do “Projeto Manaós – Saúde da População Indígena no Contexto Urbano”. O estudo é liderado pelo Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/ Fiocruz Amazônia) e tem como objetivo avaliar as condições de saúde da população indígena residente naquela área e sua capacidade de acesso à rede de serviços de saúde na capital.

O encontro aconteceu na área de convivência da comunidade (um espaço amplo e aberto), atendendo a todos os protocolos de saúde, e reuniu diversos comunitários e lideranças locais, dentre elas a cacica Lutana Kokama e o cacique Ismael Munduruku. Foi marcado pela apresentação da proposta do projeto e pela definição, em conjunto, de critérios de seleção dos bolsistas que participarão da coleta de dados.  

No Parque das Tribos vivem, aproximadamente, 3 mil pessoas, concentrando uma população étnica extremamente diversificada, sendo os Tucano, os Saterê-Mawé, os Tariana e os Ticuna as etnias mais numerosas. A pandemia da COVID-19 expôs ainda mais as populações tradicionais residentes em espaços urbanos, o que exigiu maior compreensão das condições de vida a que estão submetidos esses grupos.  

“A organização social de populações indígenas em contexto urbano é um fenômeno relativamente recente e ainda pouco estudado, sendo necessário maior investimento em pesquisa para subsidiar as gestões municipal e estadual na implantação de políticas que ampliem o acesso”, explicou o coordenador do projeto Rodrigo Tobias, pesquisador do ILMD/ Fiocruz Amazônia.

A ação possui um componente de pesquisa importante, voltado para o mapeamento, a coleta de dados epidemiológicos e socioeconômicos, mas também conta com objetivos que visam à intervenção, algo que será possível por meio de oficinas de capacitação e construção de indicadores de saúde que podem auxiliar no acompanhamento das condições sanitárias da comunidade.

Pauta do encontro e primeira atividade a ser desenvolvida no cronograma do projeto, o mapeamento é um desafio que exigirá participação efetiva dos moradores. “Vamos realizar o treinamento com os jovens indígenas que moram na comunidade. Estes jovens irão entrevistar os chefes das famílias, com a finalidade de levantar informações sobre as condições de vida e saúde da área. As informações são muito importantes para identificar quais são as necessidades de saúde da comunidade. O mapeamento irá ajudar planejar e implementar ações de saúde mais adequadas à realidade dos indígenas que moram no Parque das Tribos”, ressaltou Noeli das Neves Toledo, pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e coordenadora da atividade.

Além da UFAM, são parceiras no projeto a Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA), a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), a Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (COPIME) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI-AM).

Assembleia Geral Parque das Tribos

No último domingo, 11/07/21, aconteceu a Assembleia Geral que reuniu comunitários residentes no Tarumã- Açu para leitura do Estatuto Social da comunidade, tornando oficial a criação da Associação de Moradores (indígenas e não indígenas) do Parque das Tribos.

Uma vitória importante e que demonstra que o processo de organização social e política vivido pela comunidade tem avançado. Ao todo, 120 pessoas participaram da Assembleia, que aconteceu no espaço de convivência do Parque, o Malocão. A primeira diretora executiva é a cacica Lutana Kokama, aclamada na Assembleia, juntamente com o conselho fiscal.

Indígenas de diferentes origens conquistam espaço na internet e pautam debates sobre preconceito e estereótipos

Perfis em redes sociais reúnem milhares de seguidores e transitam por temas como história, artes e moda

Por: Eduardo Vanini (O Globo)

Cristian Wari’u perdeu as contas das vezes em que foi chamado por apelidos preconceituosos nos tempos de escola, até entender que despertar o interesse dos colegas sobre a sua própria história poderia mudar isso. Foi quando passou a explicar, entre outras coisas, a origem de seu nome, munido de uma narrativa envolvente. Os xavantes, conta,  têm a tradição de batizar as novas gerações a partir dos sonhos dos anciãos. “Wari’u era o nome do meu bisavô, que foi um guerreiro exemplar. Depois de sonhar com ele, meu avô decidiu que eu deveria me chamar assim”, conta.

Ao notar como essas narrativas cativavam as pessoas à sua volta, Cristian decidiu levá-las a um público ainda maior. Ele criou, em 2017, um canal no YouTube, cujo grande hit é o vídeo “Povos indígenas do Brasil”, com mais de 190 mil visualizações. Na gravação de seis minutos, o rapaz elenca uma série de enganos frequentemente cometidos pelas pessoas quando se trata dessa população. “‘Índio’ foi um equívoco dos primeiros navegantes ao pisarem nessas terras, por acreditarem ter chegado às Índias. O correto é indígena”, explica, antes de citar outro erro: “‘Tribo’ é ultrapassado, é uma denominação europeia criada para hierarquizar os diferentes povos”.

Com mais de 35 mil inscritos no canal e 70 mil seguidores no Instagram @cristianwariu, o rapaz, de 23 anos, é um dos maiores expoentes de uma geração de indígenas que galgaram o posto de influenciadores digitais e difundem informações das mais variadas naturezas nas redes. Afinal, como ele também explica em seu vídeo mais assistido, o povo indígena é extremamente plural. “O assunto é muito diverso e extenso. Sempre deixei claro que nunca quis ser um porta-voz de todos os povos. Até porque são mais de 300 no Brasil, e cada um deles tem o seu modo de pensar e a sua linguagem.”

Assim como Cristian, o modelo Noah Alef, de origem Pataxó, também lança mão da sua visibilidade para trazer à tona assuntos ligados a essa população. Com trabalhos para marcas como Farm e À la Garçonne, além de aparições nas páginas de revistas nacionais e internacionais, como “GQ Portugal”, o rapaz tem apenas 21 anos e está em plena ascensão no mercado da moda. A correria profissional, entretanto, não serve como pretexto para que deixe de compartilhar conteúdos informativos em seu Instagram @noahalef, onde é seguido por mais de 150 mil usuários. “Por meio da minha imagem e do meu trabalho, acredito que muitos poderão se ver representados”, vislumbra o modelo. “A moda não tinha uma presença indígena, e espero que isso possa mudar daqui para frente.”

Entre os muitos posts engajados que aparecem no seu feed, Noah também guarda espaço para uma dose de ironia, como fez num recente vídeo gravado para criticar a visão caricatural de que indígenas não têm acesso a celular. Afinal, como diz o modelo, nem mesmo o sucesso profissional o livrou das situações impertinentes em seu cotidiano. “Os preconceitos diários que mais observo partem de pensamentos que criam estereótipos sobre nós. Se usamos um celular, não somos mais indígenas. Do mesmo jeito, se moramos na cidade e não na aldeia, se usamos qualquer tecnologia e roupas ou falamos português e não outra língua nativa, questionam a nossa origem e identidade”, relata. “Por isso, busco trazer representatividade com o meu trabalho e sempre compartilho informações que façam as pessoas mudarem seus pensamentos em torno de nós.”

Também ligada ao universo da moda, a estilista niteroiense Dayana Molina diz ter compreendido logo na juventude como a luta indígena vai muito além do bullying sofrido na escola. “Significa batalhar por espaços que não seriam facilmente conquistados. Entendi que me calar não resolveria nada, mas promoveria mais exclusões dos nossos corpos”, afirma. Movida por esse sentimento, ela fundou a marca Nalimo, com uma produção feita 100% por mulheres, especialmente indígenas. O discurso eloquente reverbera tanto nas redes do negócio (@oficialnalimo) quanto da própria Molina (@molina.ela), que juntas somam mais de 20 mil seguidores.

Boa parte das postagens leva a hashtag #descolonizeamoda, que aparece já nas descrições de ambos os perfis. “Essa indústria tem atitudes coloniais e quadradas. Ainda falta muita estrada para avançar”, critica. “Mas diria que sou uma criativa subversiva e consciente do meu papel social. Minha roupa transcende expectativas de uma ‘moda indígena’, cheia de estereótipos. Estou criando uma moda com liberdade, visionária e ética”, elenca a estilista.

Ela define as redes sociais como um “megafone virtual” e afirma que conexões importantes têm surgido nesse ambiente. “No período em que combatemos a PL490 (que ameaça demarcações de terras índigenas), a internet foi uma ferramenta importante para conversas mais profundas nos directs. Na medida em que vou crescendo, fica mais difícil responder a todas as mensagens, mas todo contato é genuíno e me motiva a seguir firme na luta.”

Júli Dorrico usa o mesmo “megafone” para buscar mais visibilidade para a literatura indígena. Doutora em teorias literárias pela PUC do Rio Grande do Sul, ela divulga autores e obras de diferentes gêneros, como romance, poesia e produção acadêmica, pelo perfil @dorricojulie. “Desde que comecei o meu mestrado na área, já transitava nesse universo, mas ficava restrita ao meio universitário. Com a explosão da pandemia, no ano passado, decidi levar isso a mais pessoas”, conta a jovem, de 30 anos. “Havia muita gente fechada em casa, de olho na internet.”

A resposta, diz, tem sido bastante positiva.“É como um despertar. Vários leitores enxergam, pela primeira vez, identidades nas quais se reconhecem”, observa, comentando que muitas pessoas não sabem ou se esquecem de suas origens. “Se o seu avô era indígena, seu pai também era, assim como você. Então, é como se essa literatura lhe devolvesse uma espécie de elo perdido.”

Outro nome que também ganha espaço nas redes é o do biólogo e artista visual trans não-binário Emerson Pontes, mais conhecido pelos seguidores como Uýra Sodoma, uma “entidade híbrida” criada e performada por ele. “Emerson vira Uýra quando está maquiado, com corpo repleto de floresta”, descreve. Na conta @uyrasodoma, que soma mais de 20 mil seguidores, ele exibe postagens e trabalhos que tangenciam assuntos como gênero, identidade e meio ambiente, mas com uma preocupação especial: não falar apenas das dores. “Narro a existência indígena, por eu ser indígena e compreender a história e o cotidiano colonial, que tanto nos quer apagados. Mas é mais do que isso: pauto também o nosso belo.”

Além de encher os olhos dos seguidores com imagens expressivas e elaboradas, o artista já conquistou espaços importantes em instituições como o Museu de Arte do Rio e estará na Bienal de São Paulo, em setembro. Ao que tudo indica, a presença nesses dois mundos, real e virtual, irá coexistir com a mesma força que se fundem Emerson e Uýra. “Em tudo que faço, falo de vida”, afirma o artista, de 30 anos, que vive em Manaus. “Realizo denúncias, me articulo a movimentos da Amazônia e de fora. Garantir o bem viver é a minha principal missão.” E ele não está sozinho nessa busca.